Os Crentes Devem Sentir-se Culpados o Tempo Todo? - Kevin DeYoung
Imagino que existem inúmeros crentes
que raramente sentem o aguilhão da consciência ou as tristezas do
arrependimento. Mas também conheço muitos, muitos crentes (incluindo eu mesmo)
que facilmente se sentem infelizes por coisas que não fazem ou fazem-nas menos
do que perfeitamente. De fato, estou convencido de que a maioria dos cristãos
sérios vivem quase constantemente com um baixo senso de culpa.
Como nos sentimos culpados? Deixe
enumerar algumas maneiras.
- Poderíamos
orar mais.
- Não
somos bastante ousados em evangelizar.
- Gostamos
demais de esportes.
- Assistimos
freqüentemente a filmes e à televisão.
- Nosso
tempo devocional é curto e esporádico.
- Não
contribuímos de modo suficiente.
- Compramos
um novo móvel.
- Não
lemos muito para nossos filhos.
- Nosso
filhos comem Cheetos e batatas fritas.
- Reciclamos
pouco.
- Precisamos
perder alguns quilos.
- Poderíamos
usar melhor nosso tempo.
- Poderíamos
viver em um lugar mais difícil ou em uma casa menor.
O que fazemos por trás de todos esses
cenários de culpa? Não sentimos aquele tipo de remorso paralisante por causa
dessas coisas. Mas essas imperfeições podem ter um efeito cumulativo pelo qual
até o crente maduro pode sentir-se como alguém que está desapontado a Deus e,
talvez, um mero cristão.
Eis a parte delicada: às vezes
devemos nos sentir culpados, porque às vezes somos culpados de pecado. Além
disso, a complacência na vida cristã é um perigo real, especialmente na
América.
Mas, apesar disso, não creio que Deus
nos redimiu pelo sangue de seu Filho para que nos sintamos como fracassos
permanentes. Depois do Pentecostes, Pedro e João pareciam torturados por temor
introspectivo e repugnante de si mesmos? Paulo se mostrou constantemente
preocupado com o fato de que poderia fazer mais? Admiravelmente, Paulo disse em
certo momento: "Porque em nada me sinto culpado" (1 Co 4.4). E
acrescentou logo: "Nem por isso me dou por justificado, pois quem me julga
é o Senhor". Parece que Paulo dormia toda noite com uma consciência limpa.
Então, por que tantos crentes se sentem culpados o tempo todo?
1. Não recebemos completamente as
boas-novas do evangelho. Esquecemos
que fomos vivificados com Cristo. Fomos ressuscitados com ele. Fomos salvos
somente pela fé. E isso é um dom de Deus, e não um resultado de obras (Ef
2.4-8). Podemos ficar com tanto medo do antinomianismo – um perigo legítimo –,
que receamos falar profusamente sobre a graça de Deus. Mas, se nunca fomos
acusados de ser antinomianos, talvez o evangelho não nos foi apresentado em
toda a sua glória extraordinária (Rm 6.1).
2. Os cristãos tendem a motivar os
outros por culpa e não por graça. Em
vez de instarmos nossos irmãos a serem o que realmente são em Cristo, nós os
ordenamos a fazerem mais para Cristo (quanto à motivação correta, ver Rm
6.5-14). Por isso, vemos a semelhança com Cristo como algo em que estamos
realmente fracassando, quando deveríamos vê-la como algo que já possuímos e no
qual precisamos crescer.
3. A maior parte de nosso baixo nível
de culpa se enquadra na ambígua categoria de "não fiz o suficiente". Examine a lista que apresentamos. Nenhum dos itens é
necessariamente pecaminoso. Dizem respeito a possíveis infrações, percepções e
maneiras como gostaríamos de fazer mais. Essas são as áreas mais difíceis de
lidarmos porque, por exemplo, nenhum crente jamais confessará que tem orado de
modo suficiente. Assim, é sempre fácil nos sentirmos horríveis quanto à oração
(ou à evangelização, ou a contribuir, ou a qualquer outra disciplina cristã).
Precisamos ter cuidado para não insistirmos em algum padrão de prática quando a
Bíblia insiste apenas em um princípio geral.
Quero dar um exemplo. Todo crente tem
de contribuir generosamente, para as necessidades dos santos (2 Co 9.6-11; Rm
12.13). Podemos insistir nisso com absoluta certeza. Mas, como é essa
generosidade, quanto devemos dar, quanto devemos reter – essas coisas não estão
delimitadas por alguma fórmula, nem podem ser exigidas por compulsão (2 Co
9.7). Portanto, se queremos que as pessoas sejam mais generosas, faremos bem se
seguirmos o exemplo de Paulo em 2 Coríntios e enfatizarmos as bênçãos da
generosidade e a sua motivação alicerçada no evangelho, em vez de
envergonharmos os outros que não contribuem muito.
4. Quando somos verdadeiramente
culpados de pecado, é imperativo que nos arrependamos e recebamos misericórdia
de Deus. Paulo tinha uma consciência
limpa não porque nunca pecava, e sim porque, eu imagino, buscava imediatamente
o Senhor, quando sabia que havia errado, e descansava no "nenhuma
condenação" do evangelho (Rm 8.1). Se confessarmos os nossos pecados,
disse João, Deus é fiel e justo para nos perdoar e nos purificar de toda
injustiça (1 Jo 1.9). Deus não nos salvou para nos sentirmos miseráveis o tempo
todo. Ele nos salvou para que vivamos na alegria de nossa salvação. Portanto,
quando pecamos – e todos pecamos (1 Rs 8.46; 1 Jo 1.8) –,confessamos o pecado,
somos purificados e prosseguimos.
Isso enfatiza um dos grandes perigos
da culpa constante: aprendemos a ignorar nossa consciência. Se pecamos
verdadeiramente, precisamos arrepender-nos e rogar ao Senhor que nos ajude a
mudar. Mas, se não estamos pecando, se não somos tão maduros como deveríamos
ser, nem tão disciplinados como outros crentes, nem estamos fazendo escolhas
diferentes que talvez sejam aceitáveis, mas não extraordinárias, não nos
devemos sentir culpados. Devemos nos sentir desafiados, estimulados,
inspirados, mas não culpados.
Como pastor, isso significa que não
espero que todos em minha igreja sintam-se apavorados a respeito de tudo que
prego. Afinal de contas, é justo que todos obedeçamos aos mandamentos de Deus.
Não perfeitamente, não sem alguns motivos incertos, nem tão plenamente como
deveríamos, mas com fidelidade e obediência que agrada a Deus. A pregação fiel
não exige que os cristãos sinceros sintam-se miseráveis o tempo todo. De fato,
a melhor pregação deve fazer que os cristãos sinceros vejam mais de Cristo e
experimentem mais de sua graça.
kevin DeYoung é o pastor principal da University Reformed Church, em East Lansing (Michigan). Obteve sua graduação pelo Hope College e seu mestrado em teologia pelo Gordon-Conwell Teological Seminary. É preletor em conferências teológicas e mantém um blog na página do ministério The Gospel Coalition.